Entrevista da terça #7

9 de julho de 2024 - 16:00


Por Júlia Lopes


E eis que duas semanas se passaram sem que a gente tivesse chance de atualizar a Entrevista da Terça. Mas hoje retomamos o passo! Dessa vez, com a Salete Santos, uma das coordenadoras do novo Escritório Regional do Idace na Serra da Ibiapaba

Aos 70 anos, Salete foi fundamental para a mobilização da criação do Escritório Regional do Idace da região da Serra da Ibiapaba, cuja coordenação divide com o historiador Osvaldo Aguiar. Eles correram os oito municípios da Serra anunciando a chegada do Programa de Regularização Fundiária na região. A inauguração do Escritório, em Ibiapina, também contou com a força de mobilização da dupla.

Nascida em Viçosa do Ceará, Salete fez história na militância pela reforma agrária. Integrante fervorosa dos movimentos eclesiais de base que a Teologia da Libertação ajudou a construir, ela tinha começado a carreira de professora aos 14 anos. Foi por conta da experiência dentro da família que ela se aproximou da luta pela terra – quando os pais tiveram que sair do quinhão que ocupavam por não terem o título da propriedade em que moravam e produziam. Essa é sua força motriz.

Na entrevista, ela conta sobre esse contexto político dos anos 80 e 90, além de pensar sobre como essa luta tem se dado atualmente no Ceará. Confira.

Entenda a seção
A cada terça-feira uma nova conversa: com gente que trabalha no Idace ou não, mas que leva a luta no campo como bandeira. Que pensa a reforma agrária como uma urgência para um mundo mais igualitário, que faz do trabalho no campo um modo de relação saudável com a natureza e as gerações porvir. Essa é a nossa sexta entrevista. Acompanhe!

1. Conta um pouco da sua história e como foi a militância pela reforma agrária no interior.
Salete Santos A minha história é uma história como qualquer outra, muito parecida com as das demais trabalhadoras e trabalhadores rurais. Quando a gente era criança lá em Viçosa do Ceará, distrito de General Tibúrcio, na localidade Passagem da Onça, meu pai foi expulso da terra pelos próprios familiares e com essa expulsão, meu pai teve que se deslocar e vir para acidade. E nós viemos parar em Tianguá, onde sofremos muito. Passamos necessidade, mas nunca deixamos de estudar, porque meu pai dizia que a única herança que ele podia deixar para os filhos era a educação.

E estudando eu passei a ser professora do município, muito jovem ainda, com 14 anos. Foi aí que eu comecei a ajudar na renda familiar. Com esse trabalho, eu fui vendo que o estudo e a educação transforma.Com a educação recebida, a gente poderia mudar o mundo. Eu sempre pensei que a minha colaboração era transformar o mundo que a gente vive num mundo melhor.

E saindo da educação, como professora primária, eu passei a trabalhar como secretária do Bispo Diocesano de Tianguá para poder ter minha bolsa no (que se chamava naquele tempo) segundo grau. Quando eu terminei a minha bolsa fui escolhida entre vários candidatos para trabalhar como supervisora do Movimento de Educação de Base (MEB) ligada à CNBB e ao MEC. E daí nós fomos fazer educação de adultos utilizando o método de Paulo Freire. Visitando as comunidades, fui me envolvendo com os movimentos sociais da época, Movimento Dia do Senhor, Comunidades Eclesiais de Base, a Comissão Pastoral da Terra. Sou filha da Teologia da Libertação e a participei de muitas formações. Depois disso, a questão da reforma agrária começou a correr pelas minhas veias.

Então trabalhei, junto ao sindicato, a possibilidade de aumentar a renda do homem e da mulher do campo, que era de três sumas e segundo um documento antigo, feito ainda no tempo da ditadura, a gente poderia pegar 10 sumas. Era o famoso Estatuto da Terra, que é a Lei 4.504/ de 30 de novembro de 1964. Documento que foi feito por José Gomes, agrônomo, junto com juristas e outros agrônomos, documento que ainda hoje ajuda a gente compreender a questão da terra.

2. Como foi entrar em contato com o Estatuto da Terra na Serra da Ibiapaba, já no período de militância?
Ele continha duas metas: reforma agrária e o desenvolvimento da agricultura. Aí a gente foi, nos anos 80, começando a fazer de fato a reforma agrária em alguns locais da Serra da Ibiapaba, inclusive com a presença do (hoje) superintendente João Alfredo (à época atuando como advogado), que seria o Assentamento do Buriti no município de Ubajara, Valparaíso em Tianguá, Tatajuba I e II, em Viçosa do Ceará. Cada vez que eu participava de um caso e a gente conseguia sair vitoriosa dessa luta, eu me apaixonava mais questão da terra.

Mas precisamos ainda discutir, nesses 60 anos do Estatuto, como estamos em relação à reforma agrária.

3. Como tem sido trabalhar no Idace?
Estar no Idace é uma satisfação muito grande pra mim, como educadora e pedagoga. Eu comparo, em algumas falar por aí, por onde ando, que dar um título da terra a um trabalhador rural, que há muitos anos mora nessa terra e sustenta sua família, é como você dar ao analfabeto o certificado de alfabetização. Pro homem do campo, o papel da terra é o ducumento mais sagrado, que lhe dá direito de viver e ser dono daquele pedaço de chão.

Então, hoje, pra mim, o Idace passa a ser família, eu até me emociono quando falo disso. A minha vida profissional está sendo fechada com chave de ouro, porque aquilo que eu queria, pelo que eu trabalhei a vida inteira, acontece agora e está sendo uma realização pessoal muito grande. Poder garantir o direito a quem tem direito. E pode fazer isso dentro da formalidade, trabalhando com o Governo do Estado, pra titular quem trabalha em seu pedaço de chão, é muito gratificante.

O acolhimento, a ajuda, a cumplicidade, o companheirismo e a dedicação da equipe do Idace, é muito importante. Daqui pra frente é só gratidão à essa equipe. Estou muito feliz também porque aquilo a que meu pai não teve direito, hoje eu estou colaborando para que outros tenham possam ter. Tenho certeza que ele está muito feliz onde ele estiver.