Entrevista da terça #1

7 de maio de 2024 - 12:30

A partir de hoje, a cada terça-feira uma nova conversa: com gente que trabalha no Idace ou não, mas que leva a luta no campo como bandeira. Que pensa a reforma agrária como uma urgência para um mundo mais igualitário, que faz do trabalho no campo um modo de relação saudável com a natureza e as gerações porvir 

O mês de abril já acabou, mas não acabaram as reivindicações do Abril Vermelho, quando os povos indígenas enfatizam suas pautas diante do poder público. Direito à terra e à manutenção da vida, sem ameaças, é a base das demandas dos nossos povos originários, que estão aqui muito antes da invasão portuguesa, que olham para os biomas e as diversas formas de vida com o cuidado e o carinho que os habitantes das cidades esqueceram.

Pensando nesse contexto, começamos uma nova seção neste site, a Entrevista da Terça, com a técnica do Idace Yasmim Anacé. Yasmim trabalha no órgão desde maio de 2023, quando passou a ser mais uma ponte com os povos indígenas. Desde então tem integrado o Grupo de Trabalho (GT) de Povos e Comunidades Tradicionais e Conflitos Fundiários, que é um GT específico para lidar com as questões mais frágeis da luta pela terra. Coordenado pelo pedagogo Moésio Mota, o GT tem circulado o Ceará para ouvir e mediar tais conflitos. 

Essa é a nossa Entrevista da Terça #1. Próxima semana tem mais!

Como tem sido trabalhar no Idace? O que você imaginava e o que você encontrou no órgão?
Quando eu vim para o Idace, eu já esperava que fosse uma missão desafiadora, porque até então o órgão não tinha muitos braços para a questão indígena. E quando o João (Alfredo, superintendente do Idace) entrou, ele trouxe força para essa questão. E como guerreira que sou, que não abro mão para a luta – nasci na luta e vou morrer na luta pelo meu povo e pelo meu território – sou liderança também, já vim sabendo que não seria tão fácil. E aí, de fato, tem sido assim, o cotidiano, a gente tem lutado, tem buscado sempre dar o nosso melhor para a questão indígena, para os povos indígenas e também sem esquecer dos outros povos, sempre buscando o melhor para todos.

Como você percebe que o trabalho do Idace impacta na luta dos povos originários?
Olha, a meu ver, o trabalho do Idace tem sido muito importante nos territórios indígenas. Porque o Idace é o Instituto no Ceará que trata diretamente da questão fundiária, da mãe terra. Então o Idace, para nós indígenas, tem facilitado ainda mais o acesso à mãe terra, de fato, dando uma segurança maior para esse acesso e para o bem viver dos meus parentes. Entendo que é mais nesse sentido.

Quais são os sonhos dos Anacé? Com o que o seu povo sonha?
Olha, nós, ao nascer, sonhamos em ter a nossa terra demarcada acima de qualquer coisa, para que a gente possa, de fato, usufruir e ter acesso aos nossos direitos dentro dos nossos territórios; como ter cada dia mais essa conexão que temos com a mãe terra, com a nossa ancestralidade, com a nossa espiritualidade, e que também a gente possa ter acesso à nossa saúde, à saúde indígena. Ainda hoje a gente não tem um curso de saúde, ainda dependemos do atendimento em casa dos nossos parentes. Ter também uma escola diferenciada, com ensino diferenciado, onde ensinem a cultura, onde ensinem a nossa história, onde ensinem o nosso grafismo, para que no futuro os nossos curumins, nossas futuras lideranças, possam, sim, ter esse conhecimento que hoje temos.

Porque em vão é nossa luta se a gente só lutar pelo agora, se a gente não pensar no futuro. E é essa a nossa construção enquanto liderança, nossa construção enquanto indígena que somos – não somos índios, somos indígenas. E quando se referem a nós, eu acho que você sabe, quando se referem a nós, indígenas, chamando de índios, isso é um insulto, é algo que vai muito além do número. Historicamente os índios foram vistos como preguiçosos. Que era o método e a forma com que os portugueses, quando invadiram o Brasil, usaram para nos chamar, se referindo a nós como se fôssemos inferior a eles, e não semelhante a eles.

Então o nosso desejo e anseio hoje é que de fato a demarcação do nosso território aconteça. São vários empreendimentos subindo, são várias situações que trazem a situação de desgaste do meio ambiente, desgaste da nossa cultura , desgaste de muitas coisas dentro do nosso território, que fogem do nosso controle. Eu falo de uma planta cortada, eu falo de grandes empresas que chegam ali para depositar os seus grandes empreendimentos, que não nos consultam, só chegam e enfiam goela abaixo. Nós, Anacé, temos vivido cotidianamente com essa situação, com essas lutas. Então nosso sonho é poder viver a nossa vida.