Entrevista da terça #10
13 de agosto de 2024 - 15:14
Por Júlia Lopes
Desde agosto de 2023, quando o Idace fez uma chamada geral para professoras e professores das Instituições de Ensino Superior (IES), a agrônoma Maria Inês Escobar vem acompanhando as discussões. Naquele momento, a ideia era traçar projetos conjuntos entre a pesquisa e a vida cotidiana no campo, aproveitando a expertise das e dos pesquisadores, de um lado, e das e dos técnicos que estão percorrendo o chão do Ceará, de outro. Ela, professora do do Programa de Desenvolvimento e Meio Ambiente (Prodema) da UFC, começou então a desenvolver um projeto de governança agrária.
As conversas seguiram e no início desde ano os projetos começaram a ganhar corpo e metodologia. Maria Inês, ao lado dos professores Aécio Alves de Oliveira e Joevah Meireles, desenvolveu subprojetos para serem incorporados aos Programa Cientista Chefe, desenvolvido pela Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap), atualmente sob a presidência do professor Raimundo Costa Filho.
O Programa Cientista Chefe já conta com sete anos de atuação, reunindo universidades e órgãos públicos. Cada secretaria do Estado organiza um projeto que pode conter subprojetos, os mais variados. Os subprojetos a serem desenvolvidos pelo Idace estão sob a tutela do professor Assis Filho, que é o Cientista Chefe da Secretaria de Recursos Hídricos (SRH), como explica Inês na entrevista dessa semana.
No fina deste mês de agosto, os três subprojetos ligados ao Idace serão apresentados no Idace Debate, que nesta edição acontece no auditório do Mestrado Profissional em Avaliação de Políticas Publicas – MAPP-UFC.
Entenda a secção
A cada terça-feira uma nova conversa: com gente que trabalha no Idace ou não, mas que leva a luta no campo como bandeira. Que pensa a reforma agrária como uma urgência para um mundo mais igualitário, que faz do trabalho no campo um modo de relação saudável com a natureza e as gerações porvir. Essa é a nossa sexta entrevista. Acompanhe!
1. Conta um pouco sobre como a sua trajetória te levou para o Programa Cientista Chefe no Idace.
O Programa Cientista Chefe trata de uma política exitosa de incentivo à inovação pública do Governo do Estado, uma ação de fortalecimento da relação do estado com as instituições de pesquisa. Minha trajetória é repleta deste namoro entre a universidade e a construção de políticas públicas ligadas a diversidade da “questão agrária e ambiental”, desde a educação do campo até o fomento de sistemas produtivos sustentáveis, agroecológicos. Sou agrônoma formada pela Universidade Federal de Viçosa, fiz mestrado na UnB e doutorado em Educação na USP, sempre estudando as políticas públicas que incidem diretamente na população do campo. Hoje como professora da Universidade Federal do Ceará trago esta bagagem acadêmica junto com a experiência de coordenação de programa no Ministério do Desenvolvimento Agrário e assessoria em organismos internacionais, sempre relacionadas à cidadania e reforma agrária. Esta experiência pessoal está sendo colocada à disposição de um projeto de inovação no campo da Cidadania Agrária e do Bem Viver. Quando o Idace conquista espaço no orçamento da pesquisa do estado do Ceará para as demandas da agricultura familiar camponesa e povos tradicionais, esta é uma vitória importante.
2. O projeto submetido ao programa trata da governança no campo. Você pode falar sobre o que motivou a lançar essa ideia, quais foram as evidências de base que fizeram esse projeto?
Os números que explicitam a execução do Idace demonstram sua alta capacidade de ação em relação a seu objeto que é o ordenamento fundiário. Temos um órgão com uma dinâmica de ação e atendimento ao público potente e um campo da ciência muito pujante, que é a “questão agrária”. Esta realidade nos inspirou a projetar o 1º ano do projeto de Governança agrária e ambiental contribuindo na análise de alguns aspectos da execução da política. A ideia é agregar valor, criar ferramentas de inovação respondendo aos desafios da atualidade. Assim, cabe destacar que as questões fundiárias são multidimensionais e que a governança está ligada às relações políticas entre grupos de pessoas e instituições que os governam. As relações sociais ligadas à questão fundiária são contínuas e mudam constantemente, mesmo muito depois do processo de titulação ou da conclusão de um programa de reforma agrária. Nosso ponto de partida será a transformação das relações sociais baseadas na terra. Isto, porque mesmo em regiões onde a questão fundiária já foi considerada resolvida, por exemplo em projetos oficiais de reforma agrária na Amazônia, como as Reservas Extrativistas (RESEXs), ainda existem problemas agrários no que diz respeito à segurança fundiária, bem como ao uso sustentável da terra. Algumas variáveis não foram suficiente ou adequadamente estudadas, como estratégias de sucessão, economias alternativas e comunitárias, fiscalização e monitoramento dos órgãos responsáveis pela questão agrária e ambiental, estratégias frente às mudanças climáticas, entre outras. Também vale destacar a necessidade de disponibilização de base de dados fundiários, inclusive cartográficos, para avanço das pesquisas, da formulação de novos projetos de desenvolvimento e para proteção e monitoramento das próprias comunidades.
Nossa equipe é bem interdisciplinar e tem o desafio de projetar um software de apoio à tomada de decisão para governança fundiária cearense, com base nos dados do Idace, disponibilizando de forma interativa a malha fundiária do estado. Vale relembrar que no ano de 2023, o Idace entregou 5.280 títulos de terra, beneficiando famílias, agora em condições de requererem direitos como aposentadoria e crédito rural. Também foram medidos 3.531 novos imóveis e foram cadastradas milhares de famílias. Neste contexto, o desafio permanente é avaliar e acompanhar os usos da terra e o acesso às políticas públicas. Como também pensar novos formatos de proteção “das terras e das gentes”, neste sentido também nos desafiamos a contribuir na elaboração da primeira experiência de construção de um assentamento com dupla afetação territorial, onde a posse da terra é uma elemento que se articula necessariamente à preservação ambiental e implementação de uma unidade de conservação.
3. Quais são as expectativas em relação ao processo de pesquisa? Como ele se estrutura, quantas pessoas fazem parte, quais territórios serão pesquisados?
Estamos no início do processo, o primeiro passo será afinar a equipe do Idace com as três equipes do Cientista Chefe – Cidadania Agrária e Bem Viver. Estamos sendo acompanhados pelo professor Assis Filho, que é o Cientista Chefe de Recursos Hídricos, e nos distribuímos em três subprojetos desenvolvidos sob a coordenação dos professores Jeovah Meirelles, Aécio Oliveira e eu, Maria Inês Escobar. Além dos objetivos específicos de cada subprojeto, nossa expectativa é consolidar uma parceria tecno-científica que atenda os interesses da população e faça avançar os conhecimentos sobre a reforma agrária e a necessária transição ambiental. O projeto de Governança Agrária e Ambiental inicia com uma equipe de pesquisadoras doutoras com experiência na gestão e avaliação de políticas públicas, educação e questão agrária, gestão integrada dos recursos hídricos, sensoriamento remoto de água. São elas: Kelly Maria Gomes Menezes, Maria de Nazaré Moraes Soares, Christine Farias Coelho. Também integra a equipe, neste primeiro momento, o pesquisador Wellington Wagner Ferreira Sarmento, doutorando com experiência em Sistemas e Mídias Digitais. Além de pesquisadores, são docentes com interesse comum na divulgação científica e no desenvolvimento de comunidades. A pesquisa que se relaciona com a disponibilização da malha fundiária em software interativo abrange todo o estado e as análises relacionadas a novas conformações dos assentamentos, indicadores de governança e análise comparativa de experiências de governança agrária e ambiental terão sua abrangência discutida e confirmada na consolidação de demandas entre o Idace e a equipe do Cientista Chefe.