Entrevista da terça #4

28 de maio de 2024 - 13:27

Por Júlia Lopes

A cada terça-feira uma nova conversa: com gente que trabalha no Idace ou não, mas que leva a luta no campo como bandeira. Que pensa a reforma agrária como uma urgência para um mundo mais igualitário, que faz do trabalho no campo um modo de relação saudável com a natureza e as gerações porvir. Essa é a nossa terceira entrevista. Acompanhe!

Rosângela Moura é dessas mulheres que vai na frente. Em 1998, associou-se ao Sindicato de Potiretama, lugar de nascimento, e em 2000 tornou-se Secretária Geral, atuando até 2007. Em 2006, coordenou a ocupação da fazenda Várzea Grande, que resultou no assentamento Oziel Alves. Em 2008, foi eleita presidenta do Sindicato com 96% dos votos, tornando-se a primeira mulher a ocupar esse cargo no município e na região.

Filha dos agricultores Antonia Moura Ferreira (Tonita) e Sebastião Ferreira Filho, desde jovem militou na comunidade e trabalhou no campo. Apaixonada pelos estudos, enfrentou muitos desafios para adquirir conhecimento. Seu envolvimento social começou com atividades comunitárias na igreja e na escola. Hoje se orgulha do diploma em Direito, cujo trabalho final de curso foi sobre a experiência do Idace com os assentamentos – parte da própria história: hoje ela é uma beneficiada dessa política.

Em 2009, foi eleita para a Diretoria Executiva da Fetraece, assumindo a Secretaria Estadual de Mulheres Trabalhadoras Rurais, sendo reeleita no 7º Congresso. Em 2017, foi eleita Secretária de Política Agrária e Meio Ambiente, cargo para o qual foi reeleita em 2021 e ocupa até hoje.

Confira a entrevista!

1.Como foi viver o processo de regularização fundiária com a sua família e depois estudar sobre isso?
A regularização fundiária é um marco para a história de muitas famílias com posse a várias gerações de agricultores e agricultoras no  Ceará e no Brasil, e para minha família tem um simbolismo e importância ainda maior, pois somos de uma geração de sem-terra, meus avós e meus pais nunca tiveram terras escrituradas no cartório em seus nomes. Viveram uma vida inteira trabalhando para o patrão, sendo muitas vezes massacrados, vivendo a insegurança do desemprego, da moradia e a tempos atrás, mesmo em famílias numerosas, levando todos os filhos para trabalhar na terra do proprietário, o que ganhava mau sustentava a própria família.

Com esforço pessoal e muito trabalho comprei dois hectares de terra, na minha comunidade de Caatingueirinha, município de Potiretama, que até a chegada da política pública de regularização fundiária era apenas uma posse, mas com essa política tão importante me foi concedido um título de domínio, a qual pude registrar a matrícula em cartório e de fato e direito, dizer que essa terra é minha e olhar para meus pais e eu ser a primeira da nossa família a ter uma terra escriturada em nosso nome. E o mais gratificante para minha pessoa, é que faço parte da luta organizada que pautou e conquistou essa política pública, através do movimento Sindical Rural, coordenado pela CONTAG no Grito da Terra Brasil – GTB, a Marcha das Margaridas no Governo Lula a nível Federal e tendo adesão dos três últimos governo do estado do Ceará, destacando o papel que teve Camilo Santana no avanço desse programa, tornando aqui no Ceará uma política pública de estado, considerando que  governos passam, mas as políticas ficam.

Por tudo que esta política significa para seus beneficiários e me incluo, e percebendo a importância que tem na vida prática de centenas de vários posseiros/as do meu município e todo o estado do Ceará, uma vez que acompanhando a execução do Programa, ouvia e via os relatos de vários beneficiários nas solenidades de entrega de títulos, onde presenciei muitas vezes,  Senhoras e Senhores já na terceira ou quarta geração chorar de emoção com o Título na mão, dizendo que era um sonho de várias gerações de sua família.

Ao cursar Direito, resolvi pesquisar mais profundo e apresentar no TCC, A regularização fundiária e a segurança jurídica da pequena propriedade rural no município de Potiretama-CE, e meus estudos e pesquisa evidenciou a relevância científica e jurídica, mas principalmente a social, econômica e política para os sujeitos que vivem e trabalham no campo.

2. O que você destaca como elementos fundamentais na luta do campo hoje?
Destaco vários elementos: primeiro, a luta principal que é o acesso a terra, que mesmo com alguns ensaios de Reforma Agrária, ainda somos um dos países mais concentradores de terra do mundo, exigindo das organizações sociais do campo pressionar o governo para realizar a reforma agrária.

Segundo, destaco a necessidade urgente de investir verdadeiramente em ATER para as famílias da Agricultura familiar, pois geralmente temos as terras disponíveis hoje para a agricultura familiar têm defasagem de bons solos e no semiárido, faz-se necessário o uso de tecnologias adequadas a esta realidade, e nessas condições exige assistência técnica e extensão rural qualificada e de base agroecológica é primordial para a transformação do campo que sonhamos.

Terceiro, destaco ainda acesso ao crédito subsidiado, organização da produção para acesso a mercado, uso de tecnologias para melhorar a produção, principalmente para nossos jovens viverem no campo, gerando renda e qualidade de vida.

E por último, tem um quesito que acho importante destacar, com a ampliação da violência nos centros urbanos, o tráfico de drogas chegou em todos os lugares, inclusive a zona rural, gerando a necessidade de investir em segurança pública, e principalmente em oportunidades para quem deseja viver sem a influência desses fatores e viver em paz, produzindo alimentos saudáveis no campo. Lembrando, como bem preconiza a agricultura familiar, toda unidade familiar deve ser visibilizada nesse processo, incluindo também investimentos nas mulheres, jovens e terceira idade.

3.Como você descreveria o papel da federação diante desses elementos?
A Fetraece, ao longo de sua história tem relevante papel social de organização, mobilização, articulação, intervenção junto ao governo, à medida que mobiliza e orienta a categoria, pauta e pressiona por políticas públicas para o campo, muitas destas, vão de encontro a este campo sonhado por muitos de nós, um lugar de transformação social e econômica, mas também de formação e de vida digna.

Segue o que diz sua missão, de representar, coordenar e defender os interesses dos trabalhadores e trabalhadoras rurais do Ceará, implementando com a sua base ações e lutas que garantam a ampliação das conquistas dos diversos setores e que contribuam para elevação da consciência política, da organização sindical e da mobilização da categoria rumo à construção e implementação coletiva do Projeto de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário, com base na Agricultura Familiar e numa ampla e massiva Reforma Agrária.