Entrevista da terça #3
21 de maio de 2024 - 17:19
Por Júlia Lopes
A cada terça-feira uma nova conversa: com gente que trabalha no Idace ou não, mas que leva a luta no campo como bandeira. Que pensa a reforma agrária como uma urgência para um mundo mais igualitário, que faz do trabalho no campo um modo de relação saudável com a natureza e as gerações porvir. Essa é a nossa terceira entrevista. Acompanhe!
Contador pelo diploma e agricultor pela dedicação de uma vida inteira, Antônio Amorim Rodrigues assumiu a cadeira de superintendente adjunto do Idace em março de 2023. Desde antes, porém, ele já vinha circulando o Ceará com o olhar atento, a cabeça fervilhando de ideias e um tempo sempre disponível para a boa conversa. Amorim gosta de aprender, mas ele também é mestre nas lidas rurais.
Basta acompanhar um recorte da conversa que tivemos por mensagens de Whatsapp. A tecnologia, aliás, é uma aliada e deve ser amplamente usada no campo, como defende nosso entrevistado da semana. Com a tecnologia pode haver avanço e proteção, não apenas lucro.
Além disso, Amorim destaca a necessidade de uma democratização das informações e das técnicas, junto com um entrelaçamento das muitas formas de atuação no campo por parte do poder público – regularização, atualização e atenção redobrada para as necessidades das e dos trabalhadores.
Boa leitura!
O que você destacaria do trabalho do Idace desde a sua chegada ao posto de superintendente adjunto? Como tem sido trabalhar com regularização fundiária?
No Idace carecia fazer aparecer os resultados do trabalho realizados pelo órgão. Apenas a entrega de título aparecia. Tivemos que dar conhecimento do trabalho a toda sociedade, envolver os municípios, fazer com que as pessoas soubessem e conhecessem o que o Idace tem realizado e mostrar que todo trabalho feito serve à sociedade. Seja com o título, seja com as peças técnicas que produtores, posseiros, agricultores, podem receber.
Quando começou a regularização fundiária em 2004/2005, tudo que se podia ter de certificação de propriedade era feita em imóveis acima de mil hectares. Hoje, nós já estamos com a necessidade de certificar as propriedades a partir de 25 hectares. Isso traz pra gente uma grande responsabilidade pelo trabalho feito e pela necessidade de entregar aos pequenos um produto que custa muito caro pra ele fazer com um particular.
Uma outra coisa que destaco é a convivência com o nosso superintendente João Alfredo, que tem, atualmente, o controle de mais de 30 questões do que é desenvolvido no Idace. Ele faz um monitoramento todas às segundas-feiras nas reuniões da diretoria. Isso é o cuidado que se tem com a gestão.
Conta como tem sido levar o Desenrola Idace para o interior. Qual a sua avaliação do programa?
O trabalho do Desenrola Idace vem tentando fazer boas vertentes de desenvolvimento. Uma delas é que ao invés de estarmos recebendo pessoas para oferecer o serviço de retirada de pendências ou qualquer interesse de mudança, a gente vai até o município e com secretarias de agricultura, sindicato dos trabalhadores rurais, a Ematerce, hoje uma grande parceira nossa, e outros órgãos e entidades da sociedade civil local, nós realizamos esse trabalho no próprio lugar da pessoa.
E a primeira coisa que a gente percebe é que era um instrumento muito bem feito e super desconhecido pela sociedade local. A gente dá conhecimento sobre o trabalho, envolve e distribui responsabilidades. Outra coisa é que sem os parceiros o nosso custo em fazer esses correções seria muito alto. Então quando a gente treina os técnicos da secretaria de agricultura, da Ematerce e das lideranças sindicais para fazer o cadastro e para buscar pendências, nós estamos não só envolvendo as pessoas como também distribuindo responsabilidade. Isso é de um valor extraordinário.
E isso se mostra quando estou fazendo uma apresentação, eu sinto o carinho e o respeito pelo trabalho realizado. Há uma campanha muito grande – principalmente pelos certificadores de propriedade – em dizer que as medições feitas pelo Idace não tem nenhum valor. Já ouvi dizerem que o Idace não fazia georreferenciamento (que é a medição em terra), que fazia apenas por voo, quer dizer, uma mentira descarada. Há uma campanha de desinformação e nós precisamos re-informar as pessoas, combater a desinformação.
O trabalho do Desenrola Idace, então, é principalmente aproximação, divisão de tarefas, de responsabilização e democratização da informação ao nosso trabalho.
O que te chama atenção em nossa produção agrícola? O que você destacaria?
Olha, me surgem muitas preocupações. Primeiro é que nós percebemos que há uma diminuição dos roçados, principalmente dos pequenos agricultores (que muitos chamam de agricultor familiar). Diminuição das áreas e dos índices de produtividade e me preocupa como retomar tudo isso. Existe um difícil acesso, por exemplo às máquinas agrícolas, à assistência técnica, extensão rural, as tecnologias que se usa no campo.
Os mais velhos – e aí me incluo como um dos pares, a gente não tinha outra alternativa a não ser fugir para outros estados. Hoje tem muitas outras oportunidades, das mais diversas, mas infelizmente ainda não há uma completa sustentabilidade (financeira) na roça. É preciso que haja uma mudança – e o projeto do governo Elmano, o Sertão Vivo, indica que há essa preocupação – para fortalecer os agricultores e as cadeias produtivas.
Vou partir de um exemplo que é o nosso celular. Hoje temos 5G, ontem tínhamos 4G, anteontem o 3G, um dia desses era só telefone fixo. E tem agricultor que ainda está com a enxada. Outras tecnologias têm que aparecer para auxiliar, diminuir esforço e fazer com que ele se sinta bem no campo. Seja no trabalho da agroecologia, no trabalho da produção orgânica, ou mesmo da produção convencional. Uma máquina pequena, de um custo não tão elevado, pode fazer um homem equivaler a 20 pessoas. Isso corresponde às famílias anteriores, quando 20 pessoas trabalhavam juntas para comer e vestir. Hoje quem trabalha não quer mais só comer e vestir, ele precisa de outros elementos, a nossa vida é mais tecnológica. Tem que haver essa mudança também na agricultura.
Nós temos que acompanhar isso com boas orientações. Destacamos um elemento como a plantabilidade, que é um instrumento importantíssimo, onde se aproveita 100% da terra. Atualmente eu tenho a dificuldade que os solos estão com deficiências de fósforo, de cálcio, de nitrogênio e outros elementos vivos que ele tem que ter e a gente não tá recompondo. O que faz o agricultor gastar mais, produzir menos e ter um solo cada vez mais sacrificado. Eu tenho que ter na assistência técnica, na análise de solo, pra colocar nele o que ele precisa. E ter uma visão sistêmica. É essa complexidade que tem na agricultura que muitas vezes é simplificado e muitas vezes essa simplificação distancia o agricultor da sua própria condição de trabalho. O meu sonho é que tudo isso venha acontecer de maneira simples, didática e rápida.